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O que temos a aprender com uma planta exótica

Atualizado: 21 de jun. de 2023


Spathodea campanulata



A espatódea (Spathodea campanulata) é uma árvore de origem africana, nativa das regiões de florestas tropicais de Angola até Uganda, pertencente à família Bignoniaceae.


Popularmente é chamada de espatódea, bisnagueira, tulipeira-do-gabão, xixi-de-macaco ou chama-da-floresta. Pode atingir até 30 metros de altura, tem uma exuberante floração de cor laranja-avermelhada, o que a torna notável e imponente.



Antes de expormos diversos estudos sobre a tão questionada relação dessa espécie com as abelhas nativas brasileiras, é necessário esclarecer alguns aspectos: o primeiro deles é que a espatódea é uma espécie exótica, que foi introduzida no Brasil para arborização urbana por sua inegável beleza - infelizmente o único fator considerado na ocasião. Ela não é nativa do território brasileiro ou da América do Sul, e foi “importada” da África.


A introdução de espécies exóticas, sem estudos detalhados e profundos sobre as relações ecológicas entre diferentes espécies de um ecossistema pode trazer uma série de consequências para a flora e fauna local e de modo mais abrangente, para o próprio ecossistema. Uma espécie exótica pode encontrar muita vantagem em viver em um novo ambiente, pois pode ter acesso a mais nutrientes no solo, a ausência de predadores e da competição natural de seu espaço de origem, e por este motivo a espécie introduzida passa a competir com as plantas nativas, podendo se revelar uma potencial invasora, capaz de se propagar com grande facilidade promovendo um desequilíbrio ambiental.


Diversas plantas exóticas, ao serem introduzidas em novos territórios, perdem o contato com seus polinizadores. Há plantas que encontram nos novos ambientes onde são introduzidas, polinizadores capazes de contribuir para o ciclo reprodutivo, mas nem sempre isso acontece, pois há espécies vegetais que dependem de polinizadores específicos - como acontece com as orquídeas (gênero Vanilla) cultivadas em diversas partes do mundo para a obtenção da baunilha - e que fora do ambiente natural são manualmente polinizadas por humanos.


A espatódea, assim como qualquer Angiosperma, depende da polinização para que seus frutos sejam gerados. Em diversas regiões do mundo onde a espécie foi introduzida, a polinização é realizada por novos agentes polinizadores. Nas regiões onde é nativa, nota-se que a polinização é dada por aves. Nas regiões onde foi introduzida, é possível observar que além das aves, os morcegos atuam como agentes polinizadores.


À esquerda: cacho com o pássaro Myna. À direita: flor e fruto da espatódea.



As flores são dispostas em cachos. Abrem primeiro as flores mais externas, de modo que as aves encontram suporte para o pouso nos botões florais ainda fechados. O fruto da espatódea é uma cápsula que contém muitas sementes aladas, que são facilmente dispersas pelo vento durante as estações secas.


Pesquisadores (consultar bibliografia no fim do texto) observaram uma característica comum nas flores de espatódea em locais onde ela foi introduzida: a presença de diversos grupos de insetos mortos em seu interior, em contato com o néctar. As grandes flores das espatódeas apresentam além do néctar, uma mucilagem (substância gelatinosa). Uma característica relatada por pesquisadores é presença de proteínas no néctar da espatódea, cuja função é proteger as partes florais, além de compostos químicos como terpenos, esteroides e carboidratos acetilados. Para alguns especialistas, a mucilagem presente nas flores atua como um mecanismo contra espécies de insetos que tentam se beneficiar do néctar (a árvore é polinizada por pássaros onde é nativa). As paredes internas das pétalas são muito escorregadias, fazendo com que os insetos visitantes que caiam na corola (conjunto de pétalas), morram e sirvam de complemento para a alimentação das aves.


É importante considerar que, do ponto de vista biológico, independente de onde esteja cultivada, a espatódea continua a ofertar recursos para quem a visitar.


O Brasil abriga mais de 400 espécies de abelhas nativas dos gêneros Melipona, Trigona, Scaptotrigona, Tetragonisca, Austroplebia, entre outras.


A abelha-europeia (Apis mellifera) também é uma espécie exótica, introduzida no Brasil pelos jesuítas no século XIX, com a finalidade de produzir velas a partir da cera encontrada nas colméias. Outra abelha introduzida no Brasil e exótica é a abelha-africana (Apis mellifera scutellata).


Independente de sua origem, as populações de abelhas estão em declínio devido diversos fatores, entre eles o uso excessivo de agrotóxicos, o cultivo de plantas geneticamente modificadas, monocultura intensiva, mudanças climáticas na Terra e a introdução de espécies exóticas - sejam plantas, animais ou outros seres vivos.


Flor da espatódea e abelha.



Diversos estudos (ver bibliografia no fim da página) indicam que as flores da espatódea apresentam substâncias consideradas tóxicas para as algumas espécies (importante não generalizar) de abelhas nativas sem ferrão e também para as abelhas-africanizadas (esta última, resultante do cruzamento da abelha-africana com a abelha europeia). Já os extratos do néctar e do pólen (este em concentração 5%) não apresentaram efeito tóxico para as abelhas-africanas.


Novos estudos realizados em 2017, indicam que o pólen da espatódea tem a capacidade de envenenar colônias das abelhas nativas Melipona fasciculata (tiúba) e Melipona seminigra (uruçu-boca-de-renda), também sugerindo a mesma estratégia da planta para impedir coleta do néctar como alimento sem que o serviço da polinização seja realizado.


Em bioensaios realizados em laboratório, a mucilagem pura coletada dos botões foi testada em larvas da abelha nativa Scaptotrigona postica (mandaguari-preta), reduzindo a longevidade das larvas.


Estas e outras pesquisas estão fazendo com que projetos de lei sejam implantados para proibir o plantio e comercialização de mudas de espatódea em diversas cidades brasileiras. Outras ações visam a remoção em massa das espécies adultas das cidades, o que tem gerado novos questionamentos por parte de especialistas, em virtude dos desequilíbrios que serão gerados com a remoção das árvores. As árvores também desempenham outras funções dentro dos centros urbanos: a absorção do gás carbônico e liberação de oxigênio, sequestro e armazenamento de carbono, abrigam espécies da fauna e da flora (como bromélias e lianas), aumentam a umidade do ar, trazem conforto térmico, sombreamento e redução dos ruídos urbanos.


A remoção de árvores, principalmente nos grandes centros urbanos, é uma ação que necessita de estudos multidisciplinares. Este é um grande desafio que diversos especialistas estudam profundamente, considerando os diferentes e complexos aspectos que envolvem tantos seres vivos e as relações que foram estabelecidas.


Especialistas citam que as abelhas nativas podem buscar néctar nas espatódeas por haver carência de recursos florais nas áreas urbanas, principalmente das espécies vegetais nativas.


Árvores e plantas exóticas podem gerar danos irreversíveis aos ecossistemas naturais, à biodiversidade e à vida de um lugar. É fundamental que o assunto seja ampliado, abordado em diversas frentes e tratado com atenção. Ampliar estudos, debates, incentivar pesquisas e a praticar o plantio de nativas são algumas das ações imediatas que podem ser adotadas.


O plantio de espécies nativas é o principal caminho para resolver essa questão: as plantas nativas oferecem opções abundantes de recursos para a biodiversidade local. É fundamental que políticas públicas priorizem o cultivo de árvores nativas, que a população se aproxime deste tema, que as escolas promovam o assunto entre estudantes e que a sociedade possa conhecer as espécies nativas.


Copa da Spathodea campanulata.



Texto por Patrícia Dijigow e Anderson Santos


Referências bibliográficas consultadas:


Insect mortality in Spathodea campanulata Beauv. (Bignoniaceae) flowers


Spathodea campanulata (African tulip tree) - Invasive Species Compendium


Tulipeira-africana (Spathodea campanulata): mocinha ou vilã para as abelhas?


Impactos causados por Spathodea campanulata sobre abelhas nativas


Plantas tóxicas para abelhas


Suscetibilidade de operárias e larvas de abelhas sociais em relação à ricinina


Entrevista:


Morte de meio bilhão de abelhas é consequência de agrotóxicos


O agrotóxico que matou 50 milhões de abelhas em Santa Catarina em um só mês


Plantas para as abelhas:


Abelhas Nativas Brasileiras

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